quarta-feira, 16 de abril de 2008

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Quando ouvi falar em blogs , fiquei entusiasmada e logo disse que iria criar um . O tempo passou e confesso que nem sequer visitei muitos ...
De repente, resolvi criar este para preservar as minhas memórias , principalmente aquelas da infãncia onde ainda encontro minha mãe.
Dai o nome Cordola , que era como a chamavam , sendo o seu nome completo Cordolina Maria da Silva , filha de Serafim José da Cruz e dona Januária que também partiu muito cedo .
Contava minha mãe, que minha avó fora encontrada no mato a dente de cachorro , como de dizia das crianças que eram achadas nas matas, durante as caçadas ,e que foi criada por uma família cristã.
Sendo assim sou mameluca , resulatado do cruzamento de branco e indio .
Mãe nasceu em Petrolândia , a beira do São Francisco, onde tantas vezes tomou banho. E onde segundo me contava, ouviu muitas vezes o canto da Iara ou Mãe d' Água.
Ela foi criada por seus avós , numa fazenda e dizia que muitas vezes tirava mantimentos às escondidas para dar aos ciganos em troca de seus filhos , que claro está eles nunca lhe davam!
Esse hábito ela nunca perdeu .pois lembro de que sempre tirou das coisas de casa para oferecer a quem achava que precisava mais.
Casou com 16 anos , com o José Menezes , a quem tinha visto numa festa e que era seu compadre de São João , o que queria dizer que tinham saltado a fogueira e participado das brincadeiras tradicionais juninas .
Casaram e foram viver para Alagoas , onde nasceu minha irmã Gisilda.
Seu marido, pouco tempo depois partiu para São Paulo . Mas minha mãe , era muito avançada para aquela época e recusou-se a ficar criando uma filha longe do marido e partiu também .
Pouco ou nada sei dessa viagem , apenas que foi sendo feita por etapas e de barco , caminhão e sei lá o que mais.
Em São Paulo , a vida corria bem pelo menos em termos financeiros , tinham armazéns de secos e molhados , e minha mãe ainda tinha uma pensão. E que cozinheira de mão cheia que ela era!
Não sei a ordem crono0lógica dos fatos , mas de repente ela descobriu por meio duma carta, que o seu marido , já era casado com outra mulher pela igreja e pai de duas crianças , Gildete e Genival, que sei lá como, o sr conseguiu registar como filhos de minha mãe , o que se fosse verdade a tornaria mãe com pouco mais de dez anos de idade.
Esses filhos vieram viver com minha mãe, que sempre falou neles com carinho e que mostrava sempre muita mágoa pelo modo com que foram tratados pelo pai...
Provávelmente foi por essa altura que meu pai entra em cena.
E os dois fugiram para o interior , tenho uma vaga idéia de ouvir falar numa casa de madeira , numa caça de preá( tipo de tatu ) em doce de leite e de mamão verde , confuso eu sei, mas são fragmentos daquilo que ouvia e que a memória guardou.
Nasci em São Paulo ,no dia 2 de Abril de 54 . Um ano marcante , os 400 anos de São Paulo , e o Corinthians campeão do 4º centenário , ( só voltaria a sê-lo 22 anos depois )
Viviamos no Brooklyn Paulista , na Rua do Radium. Nos fundos de nossa casa passava o córrego do Cordeiro , que nunca foi manso e que transbordou muitas vezes. Lembro-me que para atravessá-lo tínhamos uma árvore deitada e que como nunca fui corajosa, jamais o fiz em pé , preferindo sempre arrastar a bunda de um lado para o outro . Lá do outro lado as terras pertenciam aos Matarazzo , família ilustre e sei que lá se encontrava pés de ameixa e caqui, que minha mãe colhia ainda verde e embrulhava no jornal esperando amadurecer.
Brincava na rua , tinha amigas, sendo que a mais querida era Didica ou melhor Umbelina , filha de Anália e Joaquim Honório , irmã de Cealia ( seria mais uma das invenções linguisticas do nordeste?),e tinha Ana Maria , uma mulatinha querida , andávamos sempre as três juntas , sendo que eu era a mais nova .
Aos domingos, iámos a missa na igreja do Sagrado Coração de Jesus , lá ganhávamos uma senhas que nos permitiam ir a catequese ( onde eu só entrava, porque era alta e passava por mais velha)e depois íamos a matinê no cinema .
Minha mãe era a única que dava dinheiro para sorvete , as outras não podiam pois sofriam da garganta , é claro que eu pagava e dividia com as outras e só agora me ocorre que talvez fosse esse o motivo porque me aturavam!
Muitas vezes saíamos do cinema e como se não bastasse, ainda saltávamos o portão do Parque Infantil,crei que se chamava Mário de Andrade , numa dessas caí e torci o braço , lembro-me que antes de ir ao pronto-socorro em Sto Amaro , primeiro levei uma surra. Aliás ,surra era o pão nosso de cada dia . Durante o dia eu corria , pintava e bordava , a tardinha na hora do banho, de bacia , água fria a beira do poço , uma toalha verde clarinho enorme a me envolver e o aviso de minha mãe, se disser a seu pai que lhe bati , amanhã apanha de novo .
Mal ouvia o barulho da lambreta , pernas para que te quero e contava tudo , o meu pai zangava-se , durante toda a minha vida êle só me bateu uma vez e muitos anos depois dela ter morrido,e no dia seguinte lá vinha tudo de novo.
Lembrei-me agora dum domingo em que meu pai lavava a moto ,sempre ao lado do poço num gramado muito grande e eu de repente comecei a cantarolar : O meu pai é marica ... sabe-se lá de onde tirei isso , êle ficou furioso , mas quem me bateu forte e feio foi ela!
Quem diria que anos depois eu daria tudo para ter continuado a apanhar e a ficar de castigo , mas ter o direito e a felicidade de crescer com mãe1